Rebelião, Revolução, Reflexão.

criancinha

Depois de uma conversa em sala hoje pela manhã, decidi escrever esse texto.

Todos sabemos que o Brasil vive um momento de grande manifestação, um momento de grande insatisfação popular, de expressão do povo sobre as situações de nosso país. As ruas de todo o país têm sido ocupadas pelo povo (principalmente, jovens universitários, guardem isso, pois usarei a diante), para mostrar aos governantes que queremos mudanças.

Isso é ótimo. Eu apoio que o povo tem que mostrar a cara e cobrar.

Mas uma série de questões vêm na esteira e quero discorrer sobre elas.

Primeiramente, gostaria de dizer que não sou o ser mais politizado do mundo, mas não sou tão alienada ao extremo (ou assim gosto de crer). E uma das primeiras coisas que fiz ao completar 16 anos foi tirar meu título. Na época, haviam eleições e eu fiquei tão excitada que perturbei minha mãe por semanas e semanas até que ela me levasse para votar. Comecei a votar quando não era obrigatório; na época estava no ensino médio, em contato direto com Sócrates e os gregos nas aulas de Filosofia. Não nego que a idei da obra A República de Platão influenciou-me bastante, embora eu não tenha tido oportunidade de lê-la.

Eu votei nulo em quase tudo nas minhas primeiras eleições. E nas que vieram depois.

O voto nulo é, ao meu ver, a forma de dizer que não achei ninguém digno do meu voto. E acho que vou perpetuar a prática indefinidamente, enquanto eu não enxergar políticos em quem eu possa confiar ao menos um pouco.

Depois disso, tive uma vida política insípida, mas tive alguma vida política. Na greve da minha universidade, ano passado, fiquei ao lado dos meus professores e compareci a reuniões deliberativas nos diversos campi espalhados pela capital, fora algumas pequenas coisas minoritárias políticas relativas a eventos acadêmicos e etc.

geração coca-cola

Vamos agora a explosão do Movimento Passe Livre.

Tudo começou em São Paulo e Rio de Janeiro, com o aumento da tarifa de ônibus para mais 20 centavos. O movimento passe livre ocupou as ruas das 2 principais capitais do Sudeste, e começaram os choques entre os manifestantes e a polícia, principalmente devido a brutalidade da PM.

Em apoio as 2 capitais, uma série de manifestações explodiu pelo resto do país, chegando inclusive a Belém do Pará, minha cidade.

Mais de 13 mil pessoas, principalmente jovens, foram as ruas, demonstrar apoio e também se manifestar contra a obra BRT, que ocupou a principal (e única) via de escoamento da cidade. Eu estive lá, com amigos. O movimento foi pacífico e respeitoso, apesar de alguns problemas em relação a partidarismos. A caminha no sentido São Braz-Entroncamento fez a cidade parar para nos ver passar.

Hoje, ao ouvir a discussão de alguns colegas em sala e deparar-me com opiniões contrárias, passei a refletir sobre as manifestações. Na hora, discordei e me opus violentamente, por que sou uma criatura violenta e impulsiva, e acho que isso é de família, mas me dispus a pensar sobre o assunto. Talvez, eu até deva desculpas a alguns amigos. Continuo sendo a favor do movimento, vou a uma outra no final de semana, mas tenho pontos interessantes a levantar.

Concluí, depois de uma longa tarde pensando sobre e analisando os padrões de revoluções populares histórica, que o que acontece agora é acima de tudo uma explosão de descontentamento. Não há foco, não há organização, não há definição clara de objetivos . Mas isso é uma marca histórica; as jacqueries da Idade Média não me deixam mentir.

Jaqueries

O que foi uma Jacquerie? Foram as revoltas camponesas contra os grandes senhores feudais na Baixa Idade Média (século X-XV), foram basicamente rebeliões de extrema violência e sem nenhum objetivo que não exorcizar séculos e séculos de exploração contínua. As rebeliões estouraram em toda a Europa e foram intensas principalmente na França. Elas foram sufocadas e não tinham um foco, foram movimentos isolados; coincidentes, mas sem sincronia proposital. Pura violência, sem política.

Mas as Jacqueries foram sucedidas pela Era das Revoluções. E a França, vale lembrar, teve uma revolução pra lá de sangrenta, seguida pela queda do Antigo Regime e reforma política. As Jacqueries guardavam a semente do sentimento sansculotista que estouraria séculos depois, culminando com a cabeça de um rei e uma rainha e de muito sangue aristocrata derramado.

A Rússia teve uma guerra civil antes que a Revolução estourasse. A Rússia e a França guardam enormes semelhanças, ao meu ver, entre seus processos revolucionários.

Não digo que o Brasil está ou vai viver uma Revolução. É um sonho pessoal, mas é uma utopia. Precisamos de mais 100 anos pra ajeitar 1/4 das coisas que precisam ser ajeitadas nesse país. A minha intenção ao mencionar os casos da França (Jacqueries e Revolução Francesa) e da Rússia é mostrar esse padrão de “Explosão de descontentamento” que se repete sem fim na história humana; quando tudo o que está acumulado resolve ser detonado junto e as manifestações começam. Começam sem foco e sem organização, começam no impulso, na paixão, na raiva.

Se instalam no subconsciente coletivo, tornam-se uma onda.

Aqui no Brasil, desde a ditadura, é clássico que esse impulso e paixão e sentimento e vontade de mudar se materializem no sangue jovem. Universitários, secundaristas e relativos se manifestam em coletivo nesses momentos, unidos por um grito maior.

972158_430120217086015_1803720066_n

 

A imagem abaixo mostra por que é tão difícil, agora, no momento, definir pauta. Por que está sendo difícil fazer uma manifestação focada e com objetivos politicamente definidos. É por que é muita coisa. O impulso que bate é o de querer resolver tudo de uma vez, como é típico dos brasileiros. Talvez seja a passionalidade do sangue latino (que eu conheço bem, por que eu passional, impulsiva e violenta muitas vezes).

Mas o que eu quero acreditar, sinceramente, é que esse seja apenas o primeiro momento. Como com as Jacqueries; que seja o momento de o povo expulsar a fúria contida. Mas que depois disso possamos ter uma conscientização, especialmente nas urnas. Que o grito do povo chegue as urnas. Lá é onde a mudança verdadeira acontece. Que se estenda para outras coisas, que as causas “menores” se articulem e resolvam fazer movimentos contestatórios próprios, façam-se ouvir.

Agora, alguns pontos dos críticos que eu não concordo; Dizer “O povo que votou foi o mesmo que está reclamando“. Eu não votei no prefeito atual da minha cidade. Nem no prefeito passado. Acho que outros jovens também não votaram. Eu só votei em 2 eleições; posso ser culpada por um passado político totalmente deturpado de nossa nação? É muito fácil abrir a boca e generalizar.

Estão fazendo as coisas por que Rio e São Paulo fizeram“; não deixa de ser verdade, mas Belém sempre teve, como outras capitais, movimentos políticos, pois tenho amigos que participam do movimento vegano e feministas e sempre encabeçam, estimulam e mostram esse tipo de coisa. Marcha das Vadias tem há anos nessa cidade.  As manifestações de agora apenas reúnem mais pessoas por que fazem parte de um movimento maior  e mais divulgado.

Vocês não tem objetivo“; como expliquei nas linhas acima; o problema não é a falta, mas o excesso de pautas. Dá vontade de resolver tudo? Dá, mas lembremos que é apenas o primeiro momento, talvez a seguir possamos todos sentar e pensar, definir tudo com mais calma e ver como o que foi definido vai se materializar e refletir na realidade de nosso país.

Mas o que eu acredito é que, como as Jacqueries; as revoluções populares na época dos Tudors, o movimento da meia passagem na década de 80-90, a guerra civil russa, a mudança tem que começar de algum lugar. Talvez estejamos mesmo sendo movidos por uma paixão animal, cega e alienada agora, sim, mas esse sentimento, eu tenho fé, vai evoluir para alguma coisa mais concreta e que pode gerar frutos materialmente benéficos a todos nós.

E se essas manifestações não serviram de nada, serviram para me mudar de certa forma. E se a mudança interior começou em mim, pode ter começado em outros.

E o importante é cada um fazer a sua parte. Nem que seja um pouco.